A Litigância Penal frívola: aspectos materiais e processuais

A Litigância Penal frívola: aspectos materiais e processuais. Por Alexandre Morais da rosa

REPENSAR O QUE SE FAZ SEM PENSAR: A litigância na esfera penal em nome da ausência de distinção entre a insignificância penal e a de cunho processual (insignificância processual penal), em nome da invocação genérica do princípio da obrigatoriedade da ação penal, acaba gerando o paradoxo de se denunciar tudo e se obter pouco resultado prático.

DISTINGUINDO AS INSIGNIFICÂNCIAS (PENAL E PROCESSUAL) A punição da bagatela/insignificância precisa ser vista na perspectiva dos processos em andamento e das futuras que se avizinham. Com escassez de recursos (juízes, Ministério Público, orçamento, pautas etc.) a decisão sobre iniciar “mais um processo” depende do domínio das trocas compensatórias, ou seja, trade-off, entendido como a escolha por uma das alternativas incompatíveis de se obter. Em crimes de bagatela, por sua vez, como no caso de tentativas de furto em supermercado, crime impossível (CP, art. 17, embora rejeitado pelo STF e STJ: Súmula 567 ; acolhendo: STF, RHC 144.516), em que são objeto comida, bens de consumo, bonecas etc., sem prejuízo, em regra, o custo do processamento é gigantesco e desprovido de sentido democrático. O custo associado das decisões, do processamento, da defesa, do parecer e de julgamento, rivaliza com casos mais importantes. Esse é o sintoma da Tragédia dos Comuns no processo penal. As condições de efetivação das alternativas são inviáveis. Daí que no ambiente forense os cenários de cada unidade devem ser levados em consideração. Receber o Inquérito Policial e oferecer denúncia sem analisar o cenário é próprio de acusadores que não entendem a dimensão da sua função e depois reclamam que os processos demoram e que há muita de audiência;

Alberto Binder explica “O conceito de insignificância utilizado pelo processo para fundamentar o princípio da oportunidade é diferente do conceito de insignificância que, no Direito Penal, é utilizado para reconhecer que uma conduta não é típica. No princípio da oportunidade, o conceito de insignificância pressupõe que é menos relevante que outros casos ou que sua importância não é suficiente em relação aos custos da persecução penal”. 

CUSTO DO PROCESSO PENAL E A AÇÃO ENAL FRÍVOLA (ABUSIVA): Processo penal não dá em árvores, diz Flávio Galdino, porque demanda a alocação de recursos públicos. Há o custo do processo, o custo de oportunidade, além de que cada processo rivaliza com os demais no consumo de atenção consciente dos agentes, pauta de audiências, despachos e decisões. O exercício do direito de ação deve ser eficaz e eficiente, ou seja, o enquadramento de que “se trata de apenas mais um caso”, não considera a acumulação de “todos os casos”. Garret Hardin desenvolveu a noção de Tragédia dos Comuns, segundo a qual o livre acesso e a demanda irrestrita de um recurso finito (processo penal), terminam por condenar estruturalmente a funcionalidade do “sistema penal”, por conta da tendência de superexploração. Em face dos limitados recursos do Poder Judiciário e de sua limitada capacidade de assimilação, a propositura de ações penais, sem custo (Ministério Público), tendem a gerar o excesso de litigância (abusiva ou frívola). O custo de um processo é assimilado pela coletividade, rivaliza com outros processos mais importantes e, ao final, faz com que a Justiça Penal não funcione adequadamente. Não se trata de “cobrar custas” do Ministério Público e sim no “se dar conta” de que “mais um processo”, no conjunto, provoca efeitos sistêmicos deletérios. O mais paradoxal, ainda, é que o jogador acusador muitas vezes não se dá conta de que, diante da incapacidade instalada de acolhimento de novas ações penais, o sobrecarregamento com as demandas existentes implicará na rivalidade entre os casos, a saber, a ação nova competirá com a antiga e o efeito em ambas será ineficiente. Ao propor novas ações penais, o acusador “compete com ele mesmo” (rival de si) e diminui, muitas vezes, a própria possibilidade de o Direito Penal ser efetivo. Até porque o acusador, em regra, quer decisões de mérito e não apenas ações penais instauradas. A racionalidade punitiva exige a atuação estratégica, em que se leve em consideração o custo-benefício “de mais um caso”: quanto tempo até a decisão condenatória? Vale propor ANPP? Além de se analisar, com cuidado, a “justa causa”, a “bagatela/insignificância” ou mesmo o nexo de executar a pena. Análise Econômica da Litigância Penal melhora a resposta, aos que se dão conta. Por isso, a consciência de que os custos do processo penal e de oportunidade serão arcados por todos os usuários, inclusive o acusador, transforma a experiência com o processo penal, especialmente na disposição pelo uso da Justiça Negocial;

DELEGADO DE POLÍCIA: A prisão em flagrante pressupõe o preenchimento das hipóteses legais e a violação de bem jurídico relevante. O Delegado de Polícia é o primeiro garante das violações de Direitos Fundamentais. Compete à autoridade policial verificar se estão preenchidos os requisitos legais e o suporte fático da situação de flagrância, rejeitando a lavratura somente porque policiais militares, por exemplo, entendem que há flagrante. O modelo atribui confiança ao Delegado que não é mero “chancelador” de comportamento dos agentes das demais forças públicas, já que deverá controlar a regularidade da prisão, analisar detidamente a tipicidade, reconhecer a insignificância, se for o caso (Lei 12.830/13, art. 2º). Se a autoridade policial deve motivar todas as deliberações, proibir o controle da tipicidade formal e material é incompatível com a função própria de evitar flagrantes por condutas atípicas, frívolas ou abusivas.

REPENSAR O MODELO: a gestão de casos penais, associada à efetividade do sistema de controle social, precisa ampliar os horizontes porque é inviável a prestação de serviço público de qualidade de costas para o asecto pragmático e de gestão. Por isso, vale a pena repensar o contexto de atuação.