9.1. Prova e Premissa Fática (Conceito, Classificação e Funcionalidade)

10.07.2021.Presunções com janaina matida

No regime de provas e principalmente na determinação do discurso sobre os fatos, o lugar e a função dos indícios e das presunções (legais e judiciais) ocorre de modo assistemático. O texto de Janaina Matida promove distinções importantes e merece ser lido. A confusão gera muita incompreensão e, não raro, toma-se pela etiqueta “presunção” efeitos incompatíveis com a lógica e a democracia. Em breve teremos o livro completo. Confira abaixo o artigo na CONJUR (Coluna Limite Penal).

“Em defesa de um conceito jurídico de presunção”

Por Janaina Matida

 

No início desta semana, na última segunda-feira (31/5), tive a oportunidade de voltar no tempo. Refiro-me à apresentação que fiz ao seminário de teses da minha tese de doutorado intitulada “Em defesa de um conceito jurídico de presunção” [1]. Ter de ler aquelas páginas outra vez, deparar-me com meus argumentos, com a organização dos capítulos e mesmo a reunião de palavras ali contidas, foi grande oportunidade de revisitar o passado, de me revisitar no passado.

Isso porque, viver um texto pelo tempo de um doutorado — dormir, acordar, ir às reuniões de família inclusive, sempre imaginando como seguir escrevendo seus parágrafos — tornou inevitável certo distanciamento logo após o término. Retomar a vida supunha deixar a tese, então defendida, de lado. Além disso, a liberdade de poder ir a outros temas era atrativa demais. Metaforicamente, era como se eu fosse uma criança diante de uma prateleira repleta de guloseimas e, como havia me comportado bem durante o almoço, finalmente poderia escolher o que mais me apetecesse degustar. Foi então que eu escolhi standards probatóriosreconhecimento de pessoas e prova com perspectiva de gênero. Estes foram os temas pelos quais me encantei depois de passar tantos anos submersa nas presunções. Mas o oportuno reencontro desta semana me permite dizer que elas continuam a ser iguaria ao paladar dos que se interessem pela relação prova e verdade. Por isso, a coluna de hoje propõe um mergulho conjunto nas presunções. Vejamos.

Tradicionalmente, a dogmática processual apresenta como presunção regras ou raciocínios que autorizem concluir verdadeiros fatos não provados. Diz-se que será presumido verdadeiro um fato em razão da prova de outro, em razão da máxima de experiência que conecta uma categoria de fato a outro (“quando P ocorre, Q ocorre também”). Além disso, também se afirma que certas presunções permitem a prova contrária, enquanto outras não. Nestas breves linhas, está a síntese de um tratamento que uniformiza sob o conceito de presunção diversas espécies de presunção: presunções legais e judiciais, presunções relativas e absolutas.

É isso o que nos ensinam nos cursos de direito: são legais as presunções elaboradas de forma geral e abstrata pelo legislador e judiciais as formuladas pelo juiz para decidir o caso concreto; são relativas as presunções contra as quais se pode produzir prova contrária e absolutas as que, por oposição, não podem ser afastadas uma vez provado o fato básico. Sublinha-se “o tomar por verdadeiro algo não provado” e, com isso, características importantes de cada um dos expedientes passam a ser desprezadas.

Vamos partir das presunções legais e judiciais. O fato de que as primeiras sejam regras enquanto as segundas sejam raciocínios é apresentado como de menor relevo, mas não é. Quando o legislador estabelece através de regra que quando P está provado Q deverá ser presumido, com isso impõe ao juiz uma prescrição, um dever. Reduz-se o espaço de valoração livre e racional da prova nas situações para as quais o legislador antecipou a sua própria inferência sobre a ocorrência de fatos. O legislador não quis correr o risco de que os juízes, nas decisões futuras dos casos individuais, pudessem concluir que a ocorrência de p não seria bastante para fixar a ocorrência de q. Assim, fatos relevantes para a solução do caso concreto têm as suas ocorrências tidas por verdadeiras, ainda que o julgador não esteja ele mesmo convencido. Logo, o que conhecemos como “presunções legais” expressa desconfiança quanto à correção do raciocínio probatório a ser realizado por juízes.

Já por meio das presunções judiciais, consegue-se o efeito oposto. Não apenas diferente, mas oposto. Os sistemas jurídicos costumam prever a possibilidade de que os juízes ingressem as máximas de experiência que, de acordo com a sua avaliação, sejam pertinentes à correta determinação dos fatos do caso concreto. Enquanto as presunções legais, como vimos, representam desconfiança quanto ao raciocínio judicial sobre fatos em algumas situações, as chamadas presunções judiciais expressam deferência ao raciocínio que o juiz fará sobre as provas e os fatos. Essa confiança garante o caminho aberto à livre valoração. Nestas situações, confia-se que os juízes decidirão correta e racionalmente sem a necessidade de constrangimentos normativos.

Para fazer uso de alguns exemplos mais conhecidos, a hipótese conhecida por “presunção de estupro” ilustraria a desconfiança que fundamenta o dever do juiz de ter por verdadeiro o estupro se provada a relação sexual do acusado com a vítima menor de idade; já o raciocínio que conclui pela autoria do disparo com arma de fogo em função de laudo pericial que certifica o encontro de pólvora sob as unhas do acusado é composto de inferências que o próprio julgador realiza a partir da máxima segundo a qual “quem tem resíduos de pólvora sob as unhas provavelmente realizou um disparo com arma de fogo”. Pouco importa se o julgador crê na falta de consentimento se há prova da relação sexual, mas caberá integralmente ao juiz o raciocínio sobre os fatos a partir dos quais, com base no conjunto probatório ofertado, será definida a autoria do delito sob exame.

A subdivisão concernente à admissão de prova contrária aplicável às presunções legais, por sua vez, expressa distintos graus de porosidade à verdade dos fatos do caso concreto. As situações disciplinadas mediante presunções relativas oferecem incentivo às partes à produção de provas dos fatos considerados relevantes juridicamente. Indicando os fatos que serão tidos por verdadeiros caso não sejam produzidas provas contrárias, estas espécies normativas pretendem contribuir à conformação de um conjunto probatório o mais rico possível.

É justo o oposto o que se espera mediante as regras conhecidas por estabelecerem presunções absolutas, porquanto servem à interrupção argumentativa e a limitações probatórias. O consentimento da vítima menor é irrelevante e, não estando em discussão, não poderá ser objeto de prova. Em situações como esta, o direito retira certos fatos do escopo probatório das partes. Isso ocorre porque, como podemos intuir, a adequada determinação dos fatos deve responder à busca pela verdade, mas este não é o único objetivo do processo: há regras epistêmicas (conducentes à verdade) bem como regras não epistêmicas (cujos objetivos são diferentes ao da aproximação à verdade dos fatos). Não há duvidas de que, ao limitar a prova de alguns fatos por tornar a sua ocorrência irrelevante, a presunção absoluta encaixa-se no segundo grupo, pois serve a implementar compromissos político-morais importantes à preservação da dignidade sexual de menores de idade, pessoas em estado de vulnerabilidade ou portadores de alguma deficiência mental. Trata-se de finalidade importante, mas que não deve ser confundida com a busca pela verdade.

Em suma, no que refere ao conceito de presunção, o atual estado de coisas é de manifesta confusão. Falar que se está diante de uma presunção não diz muita coisa, pois é possível que seja expediente que expresse constrangimento ou liberdade ao raciocínio judicial, incentivo ou interrupção da atividade probatória. Num cenário de descontrole conceitual, certamente quem ganha não são os jurisdicionados pois a determinação dos fatos passa a se sujeitar à fluidez propícia a decisionismo em matéria probatória.

De mais a mais, se olharmos com atenção para os múltiplos efeitos alcançados pelas “espécies de presunção”, veremos que eles se repetem em outros expedientes probatórios. A indiferença quanto aos fatos das situações disciplinadas como presunções legais assegura-lhe lugar mais adequado junto ao conceito de ficção jurídica. Já dizia Fuller, ao dissertar sobre o emprego do “como se”, que o tomar o falso por verdadeiro tinha serventia ao direito.

Além disso, quando olhamos para as presunções judiciais, facilmente reconhecemos o raciocínio probatório que caracteriza a cognição judicial. Não há nenhum diferencial que faça o rotineiro raciocínio probatório merecer a etiqueta “presunção”. E, se de ponto de vista conceitual chamar o raciocínio sobre fatos de presunção não acrescenta vantagens, do ponto de vista preocupado com as garantias dos cidadãos, o uso da terminologia pode chegar a dar lugar à considerável desvantagem. Serve de exemplo a frágil porem frequente correlação entre ocupar cargo ou posição dentro de uma empresa e ter conhecimento dos fatos da norma incriminadora. A rapidez da equivocada conclusão é facilitada por inferências as quais retoricamente se apresentam epistemicamente mais fortes do que em realidade são. Não há que se falar em presunções em contextos como esse e a busca pela melhor reconstrução dos fatos requer do juiz que encare de frente seu desafio probatório-argumentativo.

Finalmente, ao se tratar das regras chamadas de presunções relativas, é impossível ignorar a sua cercania com as regras de ônus da prova. Algo aí também mereceu minha investigação e, para garantir que as presunções não sejam mero sinônimo de ônus, raciocínios sobre os fatos e ficções, proponho a sua redefinição a partir de um compromisso epistêmico que a determinação dos fatos mediante regras que generalizem pode e deve desempenhar. Não há que se falar de “espécies de presunção”, pois a estratégia da unificação sob um mesmo conceito de expedientes tão diferentes produz confusões propícias ao esvaziamento das garantias dos cidadãos. Presunções absolutas são ficções, presunções relativas sem fundamentos empíricos são meras regras de ônus, presunções judicias são, em realidade, o rotineiro raciocínio não dedutivo a ser realizado pelo julgador para determinar fatos.

Que asseguremos o conceito de presunção tão-somente a regras que interrompam a valoração racional e livre do julgador também podem ter como objetivo a verdade dos fatos. Esse é um desafio que pode ser alcançado pelas presunções (entendidas a partir da redefinição sugerida). A maior precisão conceitual contribui diretamente à controlabilidade das decisões sobre os fatos que tanto interessa sistemas jurídicos democráticos.

“Em defesa de um conceito jurídico de presunção” foi trabalho que contou com a orientação de Jordi Ferrer Beltrán e Carmen Vázquez e foi defendido em janeiro de 2019, com banca composta por Diego dei Vecchi, Mercedes Fernández López e Geraldo Prado, na Universitat de Girona. Por incentivo de alunos, colegas e amigos, será finalmente publicada no segundo semestre deste ano pela Marcial Pons. O livro contará com prefácio e apresentação de Geraldo Prado e Alexandre Morais da Rosa, respectivamente. Para além de serem estes dois grandes processualistas por todos nós conhecidos, são, para mim, fonte de inestimável interlocução e aprendizado. As ideias apresentadas aqui, nesta sexta de feriado, e no seminário de teses, no início da semana, estarão finalmente registradas para serem conhecidas por todos os que se interessam pelos temas de prova, por todos os que também se enveredaram pela epistemologia jurídica. Fico muito feliz de dividir esta novidade também na Limite Penal.


[1]. O “Seminário de Teses” é projeto capitaneado por Vinícius Vasconcellos e Bruno Buonicore e realizado pelo IDP. A minha apresentação pode ser acessada pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=pT-g7UyPGSQ

<BIBLIOGRAFIA>

Guia, p. 371: BADARÓ, Gustavo. Ônus da Prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 158-159: “Num primeiro sentido, a prova se identifica com a atividade probatória, isto é, com a produção dos meios e atos praticados no processo visando a convencer o juiz sobre a veracidade ou a falsidade de uma alegação sobre um fato. […] Noutra acepção, prova é o resultado da atividade probatória, identificando-se com o convencimento que os meios de prova levaram ao juiz sobre a existência ou não de um determinado fato. […] Por fim, também é possível identificar a prova com o meio de prova em si mesmo. Fala-se, por exemplo, em prova testemunhal ou prova por indícios”.

Guia, p. 371: NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Alterações relativas às disposições gerais sobre prova no projeto de CPP: o valor do depoimento do co-imputado. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de (orgs.). O Novo Processo Penal à Luz da Constituição: análise crítica do projeto de Lei no 156/2009, do Senado Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 72-73: “O termo prova exprime a atividade de demonstração ou refutação das alegações (conforme o art. 181 do CPPI é objeto da prova os fatos que se referem à imputação, à punibilidade e à determinação da pena ou da medida de segurança; ao que a doutrina acrescenta os fatos dos quais dependa de aplicação de normais processuais e, quando há parte civil, fatos inerentes à responsabilidade cível decorrente do delito). O sistema processual penal sempre é dirigido ao estabelecimento de responsabilidade por fato pretérito (o thema decidendum envolve o thema probandum – objeto da imputação – e allegatum – as teses – razão pela qual é orientado ao passado. Nas glosas medievais se afirmava: allegare nihil et allegatum non probare paria sunt – nada alegar e alegar e não provar é o mesmo)”. 

Guia, p. 372: GIACOMOLLI, Nereu José. Valoração da Prova no Âmbito da Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Criminal. In: A Prova Penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p 13: “Provar no processo penal é demonstrar ao julgador, dar-lhe a conhecer a existência de um determinado fato(que), num espaço (onde) e tempo (quando) razoáveis. Também é proceder a verificação dos impulsos criadores do fato (porque) e as circunstâncias deste (como), para que possa ser emitido um juízo acerca das situações processuais que se desenvolvem nos autos, bem como acerca da responsabilidade penal do imputado”.

Guia, p. 372: MARQUES DA SILVA, Germano. […] “Nesta perspectiva, o direito de defender-se, provando, não se limita ao direito de apresentar provas, mas também ao direito de organizar e gerir a prova, nomeadamente a participar activamente na sua produção, através do interrogatório e contra-interrogatório.”

Guia, p. 373: MATIDA, Janaina. […] “A principal vantagem da formulação de uma presunção específica está em que a generalização apresenta-se como a melhor estratégia para determinar os fatos diante da falta ou insuficiência de provas. P e Q são categorias de fatos já relacionadas na realidade objetiva e o que o legislador faz é se apoiar nesse dado, fruto de experiência já acumulada, para acertar a determinação dos fatos o máximo possível. Ao mesmo tempo, a formulação de uma generalização “para acertar ao máximo” implica o reconhecimento de alguma margem de erro; isto é, de que é inevitável reconhecer que haverá casos nos quais a prova de p resultará na determinação da ocorrência presumida de q mesmo que q não tenha acontecido. Basta pensar nos casos em que a prova contrária não é apresentada ou, quando trazida aos autos, é valorada como insuficiente. O legislador assume que a regra produzirá alguma injustiça e a sopesa com as vantagens de se evitar outra classe de erros”.

Guia, p. 373: CPC, art. 369: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. Consultar: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

Guia, p. 374: STF, Inq. 4.831 (Min. Celso de Mello): “O fato é um só o direito de o investigado/réu ver produzidos elementos probatórios em seu favor ou de a eles ter acesso (RT 237/83 – RT 415/80 – RT 555/342-343 – RT 639/289 – RTJ 92/371, v.g.), por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova (não importando se testemunhal, documental ou de qualquer outra natureza, p. ex.), configura expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica e que, por isso mesmo, não pode ser negado ao investigado ou ao réu, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do “due process of law”.

Guia, p. 374: KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: RT, 2004, p. 245: “O indeferimento da produção de determinada prova, por excessiva, impertinente ou protelatória, só poderá ser pronunciado nos raros casos em que se possa objetiva e induvidosamente antever sua impertinência ou sua irrelevância – enfim, sua inutilidade ou sua ineficácia -, dada à parte a oportunidade de previamente se manifestar sorbe as razões por que pretende introduzir o material probatório questionado e, naturalmente, fundamentado o juiz expressamente a decisão proferida”.

Guia, p. 374: STF, Inq. 4.831 (Min. Celso de Mello): “Essa orientação reflete-se, por igual, na jurisprudência dos Tribunais em geral, valendo referir, ante a sua relevância, julgados que reconhecem qualificar-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por ofensa ao postulado constitucional do ‘due process of law’, a decisão judicial que, frustrando o exercício do direito à prova mediante exclusão indevida de qualquer elemento probatório, compromete e impõe gravame ao direito de defesa do investigado ou do réu, sob a equivocada alegação de que a prova pretendida (inclusive o direito de acesso a ela) não se revestiria de eficácia probante, por mostrar-se destituída de dados informativos relevantes, transgredindo-se, desse modo, um direito básico que o ordenamento constitucional reconhece àquele que se encontra sob persecução penal do Estado”.

Guia, p. 375: TARUFO, Michele. […] “Nos sistemas de common law esse tópico praticamente carece de sentido: a distinção fundamental entre evidence (elemento ou meio de prova) e proof (prova como resultado) torna clara a diferença entre os dados, as informações, as circunstâncias, os documentos, os enunciados e os conhecimentos que podem ser usados como premissa da decisão acerca dos fatos em litígio, por um lado, e as conclusões alcançadas ou os resultados obtidos através das inferências extraídas dos elementos de prova relevantes, por outro, que culminam em enunciados sobre a existência dos fatos em litígio e a veracidade desses enunciados. Essa polarização, entretanto, não é sempre sufi cientemente clara na terminologia usual europeia: prova, preuve, prueba, e Beweis são usados para significar tanto evidence, quanto proof, i.e., tanto para a base, quanto para o resultado, tanto para a premissa, quanto para a conclusão do raciocínio probatório. Por óbvio, a distinção teórica existe e por vezes é expressa na linguagem jurídica: os equivalentes de evidence usualmente denominam-se mezzo di prova, moyen de preuve ou mesure d’instruction, médio ou fuente de prueba e Beweimittel, e, em tais casos, prova, preuve, prueba e Beweis são mais propriamente usados como sinônimos de proof.”

Guia, p. 375:

e) decidir sobre medidas cautelares e sobre o recebimento da acusação;

e) proferir o julgamento.

Guia, p. 376: STF, HC 114.164 (Min. Teori Zavaski): “A condenação está alicerçada somente em elementos de informação obtidos na fase investigatória, que não encontraram respaldo com as provas colhidas sob o crivo do contraditório. Assim, à luz das hipóteses de cabimento da ação de revisão criminal, revela-se idônea a absolvição implementada pela Corte estadual, máxime diante da regra processual que proíbe responsabilização penal calcada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase do inquérito (CPP, art. 155)”.

Guia, p. 376: STJ, Jurisprudência em Teses (Edição 105): “1) As provas inicialmente produzidas na esfera inquisitorial e reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa, não violam o art. 155 do Código de Processo Penal – CPP visto que eventuais irregularidades ocorridas no inquérito policial não contaminam a ação penal dele decorrente”.

Guia, p. 376: STJ, Jurisprudência em Teses (Edição 105): “2) Perícias e documentos produzidos na fase inquisitorial são revestidos de eficácia probatória sem a necessidade de serem repetidos no curso da ação penal por se sujeitarem ao contraditório diferido.”

Guia, p. 376: LOPES JR, Aury. […]  “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação”.

Guia, p. 377: TPI; Estatuto de Roma: art. 54: “A fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com o presente Estatuto e, para esse efeito, investigar, de igual modo, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa”.

Guia, p. 377: PRADO, Geraldo. Prova Penal e Sistemas de Controles Epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 53: “Não há mais espaço para a chamada ‘carried in the dark’, que consistia no conjunto de manobras de uma parte visando ‘surpreender’ a outra e desse modo conquistar uma vantagem estratégica nos debates. A forma usual de empregar a ‘carried in the dark era por intermédio da introdução de meios de provas desconhecidos da parte contrária (unfair surprise), que ignorava seu modo de aquisição (a fonte das provas)”.

Guia, p. 377: NARDELLI, Marcella Alves Mascarenhas. […] “É aí que entra em cena o mecanismo da discovery (ou disclosure no direito inglês) que prevê que as partes possam ter acesso ao material probatório que esteja sob o domínio da parte contrária antes do julgamento, sob o entendimento de que tal colaboração promove a paridade de armas e contribui para a busca da verdade. Essa lógica é conhecida como “colocar as cartas na mesa”, e visa a assegurar que as partes em uma disputa sejam hábeis a conhecer tanto quanto possível o caso de seu opositor, o mais cedo possível, a fim de que não haja surpresas indesejadas.”

Guia, p. 377: CANI, Luiz Eduardo. […]”Em relação aos prosecutors, apesar da disclosure rule criada no caso Brady v. Maryland (1963) para obrigá-los a comunicar à defesa acerca das evidências materiais favoráveis aos imputados, é recorrente a ocultação dessas evidências. Quase sempre há um pretexto: em alguns casos, os prosecutors alegam que não se trata de uma evidência material ou que não existiu requerimento defensivo e, por isso, não são obrigados a comunicar, em outros, a recusa se deve ao fato de inexistir uma contrapartida para essa regra, ou seja, os defensores não são obrigados a informá-los sobre evidências desfavoráveis”.

Guia, p. 377: TRF/2ª Região, HC 0002732-29.2018.4.02.0000 (Desa. Simone Schreiber):“A defesa deve ter acesso a todo material produzido e formalizado relativo não apenas ao acordo de colaboração premiada, mas também às próprias tratativas que permitiram a sua celebração”.

Guia, p. 377: STF, HC 78.749 (Min. Sepúlveda Pertence): “Prova emprestada e garantia do contraditório. A garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção as partes”.

Guia, p. 378: Dec. 3.810/2001, pelo qual o Brasil e os Estados Unidos da América, pela via do Ministério da Justiça (Brasil) e do Procurador Geral (EUA), pactuaram a assistência, incluindo: “a) tomada de depoimentos ou declarações de pessoas; b) fornecimento de documentos, registros e bens; c) localização ou identificação de pessoas (físicas ou jurídicas) ou bens; d) entrega de documentos; e) transferência de pessoas sob custódia para prestar depoimento ou outros fins; f) execução de pedidos de busca e apreensão; g) assistência em procedimentos relacionados a imobilização e confisco de bens, restituição, cobrança de multas; e h) qualquer outra forma de assistência não proibida pelas leis do Estado Requerido”.

Guia, p. 378: CPP, art. 239: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Consultar: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm

Guia, p. 378: SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 122; MOURA, Maria Thereza de Assis. A prova por indícios no processo penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 33: Temos que, juridicamente, indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento do fato desconhecido, a ele relacionado, por meio da operação de raciocínio.

Guia, p. 378: ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Penal. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, p. 131. “O indício, na eterna ironia das coisas, é a prova predileta da vida contra os inocentes. Toda inocência, por isso mesmo que é inocência, é a vítima de eleição da prova indiciária. Com os indícios se chega a qualquer conclusão; imprime-se ao raciocínio a direção que se quiser. Condenar ou absolver é o que há de mais fácil e simples, quando o julgador aposta com os indícios o destino do processo”.

Guia, p. 378: ASSIS MOURA, Maria Thereza Rocha de. A prova por indícios no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 109-111: “A nosso ver, a prova por indícios presta grande auxílio na solução dos principais problemas que envolvem a reconstrução do fato criminoso, os quais se direcionam, em última análise, à comprovação da materialidade e de tudo que a cerca, à descoberta da autoria e à imposição de pena ao agente responsável, que agiu com culpa, em sentido lato ou estrito. Daí porque esboçamos nossa classificação de indícios, à luz destes quatro pontos: materialidade, autoria, imputabilidade e culpabilidade. […] Podemos afirmar que o fundamento do valor probatório dos indícios consiste na aptidão para que, deles, o juiz conclua, utilizando-se de raciocínio indutivo-dedutivo, o fato desconhecido que se investiga. Para que a certeza atingível possa ser adquirida com fundamento nos indícios, faz-se indispensável, desde logo, afastar as causas que possam criar uma aparente conexão entre o fato indiciante e o fato indiciado, quais sejam, o azar e a falsificação do fato indicador. […] A conclusão do exame dos indícios deve despontar como síntese completa e harmônica de todos os elementos indispensáveis à sua existência jurídica, validade e eficácia probatória, de molde a não se admitir que o fato tenha sido praticado de outra forma”.

Guia, p. 378: DIAS, Paulo Thiago Fernandes. A adoção do adágio do in dubio pro societate na decisão de pronúncia: (in)constitucionalidade e (in)convencionalidade. Porto Alegre: PUCRS (Dissertação de Mestrado – Direito), 2016, p. 96: Entretanto, prefere-se o posicionamento doutrinário de Badaró, posto que não define o indício como meio de prova, mas sim como um ponto de ignição, por meio do qual o juiz, valendo-se de um processo mental indutivo-dedutivo, concluirá pela existência de outro fato (o principal, objeto de comprovação). O indício não se presta a levar ao conhecimento do magistrado o factum probandum. O indício é um fato provado, ainda que circunstancial ou acessório.

Guia, p. 378: CARVALHO, Salo. O papel dos atores do sistema penal na era do punitivismo: o exemplo privilegiado da aplicação da pena. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 81: O sistema inquisitório, portanto, exclui o contraditório, limita a ampla defesa e obstaculiza, quando não inviabiliza, a presunção de inocência, cuja comissividade é o postulado básico do garantismo processual. Recorde- se que no processo penal inquisitório a insuficiência de provas e sua consequente dubiedade não gera absolvição; ao contrário, o indício equivale à semiprova, que comporta juízo de semiculpabilidade e, em consequência, semicondenação.

Guia, p. 379: TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Tradução de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta, 2005, p. 22: Un primer problema proviene del hecho de que el tema de la prueba se presta, en menor medida que otros, a agotarse en la dimensión jurídica y tiende, en cambio, a proyectarse fuera de ella y a penetrar en otros campos: de la lógica, de la epistemología y de la psicologia.

Guia, p. 379: KHALED JR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013, p. 361: Dizer que a verdade é contingencial significa abrir mão desse fim – a busca da verdade – e assumir outro horizonte, no qual o juiz deverá estar predisposto a absolver, por exigência da presunção de inocência: em outras palavras, o valor inocência deve ser estruturante e fundador do processo penal, inclusive no que se refere à missão e função do juiz, possibilitando dessa forma o rompimento com a epistemologia inquisitória orientada à persecução do inimigo”.

Guia, p. 380: MATTAR ASSAD, Thaise. […] “[…] toda aquela serenidade propiciada pela originalidade cognitiva do julgador que nunca teve contato com o material da persecução penal, se perde. E assim, a partir do raciocínio de que ninguém tem compromisso com a produção de resultados injustos: perde a defesa, perde o acusado, perde o ministério público e perde o processo penal”.

Guia, p. 380: CANI, Luiz Eduardo. […] “A maioria dos erros contém pelo menos uma de três circunstâncias predispostas. Primeira, a gravidade do crime que resulta em pressão popular sobre as autoridades para solucionar os crimes (rectius: achar um culpado para condenar). Segunda, o ódio ao suspeito marginalizado. Terceira, o caso é fundado em suspeita ou em evidência inconfiável. Esses erros costumam se dar nas falhas, intencionais ou não, para detectar erros de testemunhas e nos reforços ou encorajamentos deliberados desses testemunhos. Tudo isso geralmente faz parte da visão de túnel dos policiais que os impede de cogitar outras possibilidades, sobretudo quando a luz no fim do túnel já pode ser vista, isto é , quando sabem que alguém pode ser condenado”.

Guia, p. 380: MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 3: “Diz-se evidente o que dispensa a prova. Simulacro de auto-referencialidade, pretensão de uma justificação centrada em si mesmo, a evidência corresponde a uma satisfação demasiado rápida perante indicadores de mera plausibilidade. De alguma maneira, a evidência instara um desamor do contraditório”.

Guia, p. 380: PASOLD, Cesar Luiz. […] “Mas, uma das leis fundamentais da boa comunicação é a que reza que em comunicação nada é obvio: nos processos de troca de ideias nas relações humanas (ou seja, nos Processos Comunicativos), a tudo se deve dar atenção devida, sem descuidar de nenhum detalhe”.

Guia, p. 380: TREVIZAN, Flávia Cristina.[…] “Mas, só se justificam restrições a direitos individuais, em face da Constituição, por razões de necessidade, adequação e supremacia do valor a ser protegido em confronto com aquele a ser restringido (proporcionalidade em sentido estrito). Não se trata de uma ponderação abstrata e genérica, mas de uma verificação do justo equilíbrio em cada caso dos valores em conflito”.

Guia, p. 381: CANI, Luiz Eduardo. […] “O que é apontado como mais grave em relação à atuação dos prosecutors é o fato de a Suprema Corte dos Estados Unidos ter decidido, ainda em Berger v. United States (1935), de que modo o U.S. Attorney General e seus prosecutors devem fazer justiça: não podem jogar sujo ou usar métodos calculados para produzir condenações de inocentes, mas, apesar disso, ou talvez por isso mesmo, continuam a jogar, e a jogar sujo”.

Guia, p. 381: LAA, art. 30: “Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Guia, p. 382: NUNES, Marcelo Guedes. […] “O raciocínio probabilístico sempre embute um componente de risco. Ao invés de lidar com o conceito de verdade, a estatística trabalha com a ideia de significância estatística. Um resultado é considerado estatisticamente significante quando a probabilidade de ser produto de uma flutuação aleatória é suficientemente pequena”.